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Identity. Parte I

Brussels, 02 de janeiro de 2015.

veja imagens referentes a este texto e conteúdo neste link:

A pesquisa iniciada no Vormingscentrum Destelheide (Dworp- Brussels- Belgium)- acerca deste primeiro tema que escolhi ser a minha porta de entrada nos universos que desejo trabalhar – teve sua continuidade nos galpões e espaços alternativos da Erasmus Hogeschool Brussel, por mais 3 semanas entre o final de outubro e a metade de novembro de 2014.

A proposta do workshop Theater VI, orientado por Geert Opsomer e Johan Dehollander consistia em nos debruçarmos na busca por experiências cênicas a partir de entrelaçamentos entre aspectos autobiográficos, questões/temas universais (Política, Filosofia, História, etc.) e estéticas/formas/referências (autores, literaturas, filmes, músicas, imagens, conceitos e etc.) de especial interesse para cada um de nós. Foi então, que todos decidiram por continuar aprofundando os conteúdos e primeiras experiências temáticas trabalhadas em Destelheide, e no meu caso, o problema da Identidade ( em seus fluxos) me era importante de perseguir.

Ao chegar ao novo espaço, meu primeiro interesse foi apenas de observação, pois eu já vinha imbuído de muitas motivações e referenciais a respeito do meu mote de trabalho. Imediatamente fui percebendo que as novas espacialidades do lugar eram bastante diversas em relação ao Vormingscentrum- onde explorei uma sala e um jardim com árvores- aqui, no prédio da Erasmus, além de dois grandes salões/galpões, contávamos com outras micro salas, depósitos, banheiros, cabines com portas e janelas de vidro, garagens, etc., ou seja, arquiteturas tão distintas que por si só já sugeriam infinitas formas de experimentação e sensorialidades.

Após algumas horas de passeio e observação por todos os espaços, comecei a desenhá-los, na tentativa de tomar maior consciência de suas plantas baixas, peculiaridades e recursos arquitetônicos (medidas, materiais, composições e etc.). Ao longo dos primeiros desenhos foram me surgindo imagens possíveis de figuras e objetos em diálogo com esses espaços: como um homem com o rosto amarrado por um pano que lhe escorria pelas costas, semelhante à uma corda ou trança. Fiquei a imaginar a trajetória que essa figura poderia desenvolver pelos diferentes espaços enquanto ação física/visual de exploração desse prolongamento de tecido, repleto de cores, texturas, nó e surpresas.

Nesse reconhecimento do espaço visualizei outras possibilidades de ações performáticas como: ser lavado por longas horas por jatos violentos de água vindos de uma grande mangueira de incêndio que havia em um dos galpões... imaginei como poderia se dar um rodízio dessa ação sendo executada pela audiência à alguns metros de distância de mim. À medida que caminhava, ia sendo assaltado por muitas visões vindas dos elementos que o espaço possuía de mais marcante: paredes grossas de tijolos, pisos lisos e lajotados, janelas altas de vidro, portões de garagem de metal, andaimes grandes de ferro com rodinhas, cabine com complexos controles e botões de luz do prédio, depósitos com restos de lixo, materiais de consertos de máquinas, etc.

Enquanto primeira proposta física para um dos espaços resolvi experimentar receber meus companheiros de pesquisa e orientadores em um dos galpões, pondo-os um de cada vez no espaço, guiando-os pela mão até o ponto que demarquei ser o da audiência. Executava esta ação, de toque e guia, até que todos estivessem dentro do espaço. Eu havia experimentado esse mesmo conduzir em Destelheide, mas com a diferença que lá eles entravam em uma sala escura, e aqui, neste galpão, entravam no claro, então podiam me ver, olhar no olhos e com a maioria deles esse toque suscitou sorrisos, balbucios e silêncios posteriores. Me interessava de alguma forma estabelecer um lugar de maior proximidade, ritualístico, de ação simbólica entre mim e eles, a busca de um elo ou ligação primeira. Também fui inspirado por uma pintura que havia visto em um perfil que acompanho no facebook ( berlin-artparasites ) na qual duas mãos se interligavam num toque sutilmente violento.

E, logo após esse momento, eu me distanciava deles, caminhando de costas em direção ao fundo do galpão, em linha reta, próximo à parede lateral, passando o meu olhar por cada um deles, fixamente, enquanto ia me distanciando. Fui atravessado então, pela vontade de limpar as mãos, as mesmas mãos que haviam trazido eles ali, tive vontade de limpá-las, num gesto de repulsa. Não sei bem o por quê, mas foi um sentimento espontâneo que a caminhada de costas e o olhar fixo neles me causou e não reprimi porque me era espontâneo/orgânico. Limpava-as em minhas costas, caminhando, olhando fixamente para eles, e via em seus semblantes uma certa dúvida e seriedade, talvez tentando entender o porquê daquilo (que mesmo para mim ainda não estava claro). Ali outra imagem me vinha à mente, a lembrança dest trabalho do fotógrafo tcheco Jan Saudek: "hungry for your touch"

Cheguei ao fundo, onde eu havia posicionado uma cadeira no canto da sala, sentei e continuei a olhar para eles, agora numa distância muito maior, estavam muito longe de mim, e eu deles. A cena que se seguiu a isso, consistia em ouvir um barulho vindo de uma grande porta vermelha que estava ao meu lado, tirar um pano do bolso, cobrir o rosto, pôr a mão direita no bolso da frente e suspender a esquerda para o alto. Nesta marca entrava no espaço a voz gravada de Marie falando um trecho de “O inominável” de Beckett, e enquanto o som ecoava, eu percorria o galpão de rosto coberto, numa dança tosca, de movimentos quebrados, descontínuos, giros, quedas, corridas e dificuldades de locomoção, sem enxergar o espaço, tentando me guiar pelo instinto do movimento, pela tensão física, pela vertigem dos giros, sem a preocupação de como tudo isso estava chegando (ou não) a eles que me viam naquele lugar. Aqui está a gravação do trecho de “O inominável” de Beckett por Marie Pien http://www.4shared.com/music/1-e1Vua9ce/voice_1.html " Malone is there. Of his mortal liveliness little trace remains. He passes before me at doutbtless regular intervals. ( Unless it is I who pass before him? No, once and for all: I do not move.) He passes, motionless. But there will not be much on the subject of Malone, from whom there is nothing further to be bored. ( It was while iwatching him pass that I wondered if we cast a shadow. Impossible to say.) He passes close by me, a few feet away - slowly, always in the same direction. I am almost sure it is he. The brimless hat seems conclusive. With his two hands he props up his jaw. He passes without a word. Perhaps he does not see me. One of these days I'll challenge him. I'll say, I don't know, I'll say something, I'll think of something when the time comes. (There are no days here, but I use the expression.) I see him from the waist up: he stops at the waist, as far as I am concerned. The trunk is erect. But I do not know whether he is on his feet or on his knees. (He might also be seated.) I see him in profile. Sometimes I wonder if it is not Molloy. Perhaps it is Molloy, wearing Malone's hat. But it is more reasonable to suppose it is Malone, wearing his own hat. (Oh, look, there is the first thing! Malone's hat!) I see no other clothes. Perhaps Molloy is not here at all. Could he be, without my knowledge? ( The place is no doubt vast. Dim intermittent lights suggest a kind of distance.) To tell the truth I believe they are all here (at least from Murphy on). I believe we are all here. But so far I have only seen Malone. Another hypothesis: they were here, but are here no longer. I shall examine it after my fashion. Are there other pits, deeper down? To which one accedes by mine? (Stupid obssession with depth!) Are there other places set aside for us - and this one where I am, with Malone, merely their narthex? ( I thought I had done with preliminaries.) No, no, we have all been here forever, we shall all be here for ever. I know it" The Unnamable. Samuel Beckett.

Após essa experiência, tivemos uma conversa, onde discutimos sobre lugares de intersecção entre teatro e performance, entre as ações que se fazem com e sem a presença de uma audiência, os seus possíveis significados, demandas, meios expressivos de envolvimento, afetação de si e dos outros, o lugar do íntimo e do coletivo, de corpos que se comunicam e se isolam, os pólos e as interpenetrações de performances com esse viés. Em meu trabalho, achamos que havia a sinalização dessas possibilidades de diálogo, que talvez pudessem levar a mais perguntas sobre esses limiares e atravessamentos. Tornava-se possível então a tentativa de uma caminhada por aqui, elegendo pontos de aprofundamento, conexões, tensionamentos, abandonos e mudanças de rotas.

Geert e Johan fizeram alusão à pintura "The lovers", do surrealista belga René Magritte a partir da imagem que criei com a ação de cobrir o rosto com um pano e ficaram de trazer o quadro para termos em nosso acervo de pesquisa, no espaço que a cada um ficou destinado como sendo o seu "canto de pesquisa" no salão, onde diariamente trazíamos materiais (filmes, músicas, imagens, livros, etc.) para compartilhar uns com os outros sobre os universos e temas que estávamos investigando individualmente.

Enquanto primeira investigação corporal no espaço, senti que não cabia a ideia de adaptação ou “reprodução fiel” do trabalho que realizei em Destelheide, principalmente, em relação à seqüência dos quadros performáticos que criei naquele local, pois aqui nestes galpões, tudo ganhava outras dimensões, outras urgências, significados e modos de afetação a serem novamente perseguidos. Dessa primeira investida no espaço, optei por aprofundar a produção de sentidos/sensações a partir da ação de cobrir o rosto (revelar, esconder, indenominar, fragmentar, desumanizar identidades, sujeitos, corpos e etc.). Estendi o convite a meus 3 companheiros de turma, para que eu pudesse dirigi-los nessa investigação, e, tudo que se seguiu nesse processo foi ultra especial do ponto de vista das trocas, conexões, adensamentos, colaborações, contaminações entre nossas pesquisas, inquietações e aprendizados/afetos de grupo. Aqui, um pequeno vídeo de uma improvisação de som e corpo que empreendemos no espaço dentro da pesquisa de direção de Marie Pien: https://www.facebook.com/video.php?v=10205143021354617&set=vb.1217144872&type=2&theater

Por Wellington Dias In Rits School of Brussel

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